O bom filho a casa torna, o ótimo filho a casa queima

Nos países capitalistas, ainda mais na periferia do sistema, a violência é algo comum, naturalizado, quando não nacionalmente, é infligida contra outros países em ações neocoloniais. De um jeito ou de outro, a violência do Estado dentro do capitalismo é algo comum e essencial ao próprio sistema. Isso significa que o capitalismo faz uso da violência para o seu desenvolvimento e manutenção. Indo além: esse modo de produção necessita da violência pela sua própria natureza.
Foi comum com a ascensão cada vez mais presente do neoliberalismo no Brasil perceber o discurso político sobre a violência virar novamente o ponto alto das campanhas da extrema-direita. O discurso se alia a noção hegemônica de que a violência urbana está aumentando e sobretudo as classes médias sustentam o desejo do aumento do policiamento e da máxima do senso comum de defesa da propriedade de que “bandido bom é bandido morto”.
O discurso do medo constante da violência, da ameaça a ordem a ao valor mais sagrado do capitalismo, a propriedade privada, encontra terreno perfeito para a militarização da vida e a política de extermínio. A Escola Superior de Guerra (ESG) desde a ditadura militar estabeleceu a tradição na segurança pública brasileira do combate ao inimigo interno.
Esse inimigo interno e o medo que as classes médias e altas alimentam das classes populares – que é só um discurso para a justificativa das medidas violentas de controle de classe – cria um processo de normalização da violência cotidiana[1] e da desumanização de determinados corpos, principalmente aqueles corpos negros e pobres.
As pessoas negras, mulheres, trabalhadores, periféricos, LGBTQIA+, indígenas, sujeitos que emergem saberes revolucionários, que na vida cotidiana elaboram meios de sobrevivência de resinificação do espaço social como um todo para emergir, enquanto potência criadora e também destruidora, uma antítese inevitável a sociedade capitalista que explora e hierarquiza os sujeitos em sua coletividade e, para isso, os destroem e dominam em subjetividade.
Esses sujeitos, aqueles que emergem potências transformadoras, são alvos constantes de controle e violência da parte do Estado que jamais pode ser entendido fora do modo de produção vigente na sociedade[2]. Esse Estado,existe para a manutenção e garantia do modo de produção capitalista, seja pela forma jurídica do Estado de Direito ou pisando sobre ela no estado de exceção. Isso se estende até quando o Estado de Direito garante o estado de exceção para a manutenção da ordem burguesa.
Desde os dias iniciais na fase de acumulação primitiva de capital, nos séculos XIV, XV, XVI, o capitalismo usa da violência do Estado. Seja na Inglaterra, derrubando casas e vilas inteiras de camponeses para construir pasto de ovelha para a indústria têxtil; seja na África e na América, escravizando, exterminando e estuprando os povos colonizados. A violência do estado sempre foi parte dos impulsos de desenvolvimento do capitalismo[3].
Com a revolução industrial e a consolidação da sociedade burguesa não foi diferente. Haviam leis para disciplinar os sujeitos que não possuíam emprego em grandes centros industriais como Paris e Londres. A política de controle das massas populares se tornam tão grandes que Betham sugere, ainda no século XIX, a criação de dormitórios dentro das fábricas para os trabalhadores que não possuíam moradia, para assim dormir e acordar trabalhando[4]. As prisões, no modelo panóptico, seguem o mesmo padrão de controle e disciplina para transformar criminosos em operários produtivos para o capitalismo[5].
O capitalismo é o seu próprio coveiro no sentido em que ele mesmo cria as contradições das quais emergem o seu fim, sendo assim, controlar as classes populares é essencial e sempre que o sistema está em transição, a luta de classes se acirra e o controle se estabelece de forma ainda mais violenta.
Foi assim na década de 60 com o estabelecimento da ditadura militar, quando o projeto econômico da classe dominante brasileira e do imperialismo foi respaldado pelos militares e pago pelos trabalhadores sendo relegados a miséria, sendo extremamente explorados. O acirramento da luta de classes gera a necessidade de controle ainda maior para ao avanço do projeto econômico, sendo assim, os militares criaram diversos mecanismos de repressão[6].
Entre esses mecanismos, um dos mais conhecidos é o esquadrão da morte que exterminava trabalhadores a rodo e passou a ser institucionalizado pela ditadura empregando em militantes as táticas de tortura e assassinato que usavam contra trabalhadores nas periferias urbanas de São Paulo.
Os esquadrões da morte e a ESG, deixaram uma tradição na política de segurança pública do Brasil que, ocupando o papel de país da periferia do capitalismo, a violência do estado, que é uma violência política, recai em expressão máxima em busca do respaldo do projeto econômico do capitalismo internacional. Quanto maior a exploração e a precariedade da vida, mais a luta de classes se acirra de diferentes maneiras.
Essa série de fatores desencadeiam mecanismos e tecnologias de guerra para o controle e extermínio da classe trabalhadora e os seus diferentes grupos sociais. Os sujeitos que emergem o fim desse modelo de sociedade são controlados, exterminados, violentados e precarizados. No Brasil esse processo funciona em sua máxima potencialidade na desumanização e extermínio do povo negro, se tornando parte do cotidiano brasileiro um homem negro tomar 80 tiros em um carro com a família, uma mulher negra ser baleada e arrastada por uma viatura policial, um garoto negro de 14 anos ser assassinado dentro de casa pela Polícia Militar, dentre tantos outros casos diários.
A violência do estado é fundamental para o capitalismo e para fazer frente a isso, somente com um projeto de transformação radical dessa sociedade, a superação do capitalismo e a construção do socialismo através do poder popular. Dentro da direita e do liberalismo de esquerda não existe resolução possível, uma vez que o controle e extermínio são uma característica do Estado para a manutenção da ordem burguesa.
O próprio Brasil é exemplo: quando a esquerda liberal governou, a violência e controle da classe trabalhadora e sua multiplicidade continuou a se desenvolver. Se apropriar do Estado não basta, já que no capitalismo o Estado é uma ferramenta da burguesia. O Estado é por onde a burguesia faz valer os seus interesses, o direito é reduzido a lei que é, por sua vez, burguesa[7]. A construção de um Estado proletário é uma emergência histórica para as vítimas da violência do Estado capitalista. Construir o socialismo é também permitir o direito à vida as nossas crianças. Uma solução é possível e ela passa pela reestruturação do mundo[8].
Vinicius Souza é historiador, pós-graduando em Direitos Humanos e Lutas Sociais pelo CAAF - UNIFESP, militante da Juventude do MTST e escreve no perfil do Instagram @luzcamerarevolucao.