
Clio Operária
A luta revolucionária curda
Rafael Lopes*

Os curdos estão espalhados principalmente em quatro nações: Irã, Iraque, Síria e Turquia. São aproximadamente 40 milhões de curdos por essas nações, número esse que pode ser maior, porque: 1) não há um censo oficial; 2) em diversas nações os curdos tem sua nacionalidade negada, sofrendo um processo de assimilação à outras nacionalidades; 3) a diáspora curda espalhou os curdos por diversos países no Oriente Médio e até em certas regiões na Europa. Somando esses fatores, há quem diga que o número de curdos chega a 50 milhões.
Entretanto, como a luta do maior grupo étnico sem uma nação própria ganhou a atenção do Ocidente nos últimos anos? Sem dúvida alguma, o acontecimento histórico que aproximou a causa curda dos holofotes foi a Guerra Civil na Síria, principalmente a revolução de Rojava. Porém a luta curda é muito mais antiga.
Os curdos são um grupo étnico originário da Mesopotâmia, tem mais 4000 anos de história, possuem diversos idiomas e dialetos, além de diversas religiões, sendo o Islã o mais praticado. Ao decorrer da história a luta curda teve inúmeros fronts. Por muito tempo a organização que centralizou a luta curda por um Estado próprio foi o PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão. O PKK durante muito tempo foi um partido marxista-leninista, com uma grande influência do maoísmo. O leninismo foi a linha política do PKK até a década de 1990, onde com a dissolução da URSS, o marxismo perdeu força dentro do partido. A partir de 1995 o PKK dilui-se em um movimento social, decentralizando a luta curda da imagem do partido e concentrando como uma ideia que seja comum a todo curdo. Foi em 1995 que o PKK aderiu a uma nova ideologia política: o Confederalismo Democrático, desenvolvido pelo revolucionário curdo Abdullah Ocalan. Durante todo o período de luta, o PKK sempre foi tratado com um grupo terrorista pelas forças reacionárias - a Turquia utiliza dessa desculpa até hoje pra reprimir os curdos que, dentro e fora de seu território, lutam por sua cultura e sua tradição.
Voltando ao Confederalismo Democrático, a teoria desenvolvida por Ocalan declara seu combate ao modelo de Estado-nação, relacionando diretamente a repressão que os curdos sempre sofreram. O Confederalismo Democrático também tem como um dos objetivos principais de luta o combate ao patriarcado e a todas as formas de opressão as mulheres, relacionando diretamente a opressão das mulheres ao modelo de Estado-nação:
Outro pilar ideológico do Estado nacional é o sexismo que permeia toda a sociedade. Muitos sistemas civilizados têm empregado o sexismo, a fim de preservar seu próprio poder. Eles reforçaram a exploração das mulheres e as usaram como um reservatório valioso de mão de obra barata. As mulheres também são consideradas um recurso valioso, à medida que produzem descendência para proporcionar a reprodução de homens. Assim, a mulher é tanto um objeto sexual e uma mercadoria. Ela é uma ferramenta para a preservação do poder masculino e pode, na melhor das hipóteses, avançar para se tornar um acessório da sociedade masculina patriarcal. (OCALAN, 2015)
O Confederalismo Democrático não busca a construção de um Estado Nacional Curdo, mas sim federações no Irã, Iraque, Síria e Turquia, que mantenham as portas abertas para qualquer curdo que queira entrar. A centralidade na luta contra o Estado é fundamental na concepção de Ocalan, da mesma forma que a luta anticapitalista é:
No Oriente Médio, a democracia não pode ser imposta pelo sistema capitalista e por suas potências imperiais, que só causam danos à democracia. A propagação da democracia popular de base é fundamental. É a única abordagem que pode lidar com diversos grupos étnicos, religiões e diferenças de classe. Ela também vai bem em conjunto com a estrutura confederada tradicional da sociedade. (OCALAN, 2015)