
Clio Operária
A Censura Velada à Indústria Cinematográfica Brasileira
Robson J. Almeida*
A atual conjuntura da sociedade brasileira está deliberadamente afetada por uma censura velada ao audiovisual brasileiro, o governo camufla com discursos rasos e enfadonhos a propagação de sua ideologia aos cidadãos. Nos últimos anos a indústria cinematográfica cresceu em território nacional e mundial, trazendo temas aonde dão voz à diversidade.

Nesse contexto histórico, filmes com temáticas que retratam a periferia, o sistema penitenciário e os grupos LGBTQI, ganharam um alvoroço enorme da mídia e também das massas populares, atingindo a elite brasileira, que por conta das produções se sentiu ameaçada ao repertorio de criticas construtivas ao sistema. Deixando claro como a luta de classes é necessária, pois a classe mais oprimida quando se desperta pode derrubar a classe opressora.
Sendo assim é difícil não citar o atual governo que desde 2018 deixou claro suas intenções em relação às produções do cinema nacional, havendo uma perseguição ideológica a arte que se expressa na indústria audiovisual, alcançando assim as massas populares e diferentes classes sociais. A indústria enfrenta uma censura e perseguição velada, que oprime a arte por questões ideológicas e religiosas impostas atualmente. O então presidente deixou claro em suas declarações que não irá apoiar filmes com temáticas que, segundo ele, “vá contra a família brasileira”. Porém atacar o áudio visual brasileiro não faz sentido, como prova os seguintes aspectos:
● O setor gera R$ 25 bilhões ao ano, equivalente a 0,46% do PIB nacional.
● A indústria do audiovisual é mais forte atualmente no Brasil do que a têxtil, de produção de eletrônicos e de informática e farmacêutica.
● O mercado do audiovisual cresceu 153% em oito anos, na contramão do que ocorreu com o país.
● O crescimento do setor de mídia e entretenimento no Brasil para os próximos anos está estimado em 4,6%, segundo estimativa da PricewaterhouseCoopers;
● A descentralização da produção brasileira permitiu que estados fora do Sul/Sudeste conseguissem fazer seus primeiros longas com distribuição em todo país em décadas — o Amazonas, por exemplo; O audiovisual emprega, pelo menos, 100 mil pessoas ao redor do Brasil.
● A vitória de dois filmes brasileiros — “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” e “Bacurau” — no Festival de Cannes 2019, abrindo portas para boas chances no Oscar do ano que vem.
● A presença de longas nacionais em festivais ao redor do planeta — Berlim, Karlovy Vary, Locarno, San Sebástian, etc — nunca se fez tão presente quanto agora com os mais diversos diretores de várias regiões brasileiras.
● O crescimento de co-produções entre o Brasil e outros países, além das obras estrangeiras gravando cada vez mais no país — “Black Mirror” e “Sense8” que o digam.
● A importância cultural, histórica e identidade trazida pelo cinema como campo reflexivo e de debate sobre a nossa sociedade e dilemas, além de servir também como entretenimento para a população; O exemplo da Coreia do Sul e o ‘soft power’ do país com o K-Pop e o cinema, gerando receitas bilionárias para o país.
Os produtores dos filmes lançados nos últimos anos sabem do ‘poder’ em fazer filmes que despertam o sentimento de crítica ao sistema, mostrando como ele é insignificante e dependente da classe que o próprio sistema descarta. Por isso há essa perseguição e censura a todos que querem produzir filmes com essa temática crítica; é conivente pelo ponto de vista do atual governo limitar o povo a ter acesso à informação e a ter um conhecimento amplo.

A incoerência é evidente, pois o audiovisual brasileiro cresceu e está trazendo retorno financeiro e reconhecimento ao país, além dos aspectos turísticos que aumentaram com as produções.
Diante disso, para mexer drasticamente com esse setor, são necessários argumentos fundamentais e técnicos, o que não ocorre atualmente. Os cortes nas produções, principalmente as que abordam temas sobre diversidades, fazem com que o setor sofra profundamente para produzir seus filmes.
“Tradicional evento de São Paulo, o Festival Mix Brasil quase não saiu do papel em 2019, os organizadores já se preparavam para o pior desde o ano passado, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente. Ficamos esperando os cortes, e foi exatamente o que aconteceu”, conta Josi Geller ao TAB, diretora-executiva do festival que acontece desde 1993.
“Quando um evento dedicado a produções audiovisuais que abordavam diversidade era algo inimaginável por aqui. O corte na 27ª edição realmente foi na carne, mas mesmo com orçamento reduzido em 40%, por conta de perda de patrocínio e a extinção de editais para cultura, o bloco saiu na rua, ainda que em versão enxuta, reduzindo sua programação para setes”.
As produções que trazem a representatividade LGBTQI, ao sofrerem atualmente com essa censura, mostram a real face e a intenção preconceituosa do atual governo, que ao invés de apoiar esses grupos que já são estigmatizados pela sociedade, prefere por silencia-los.

“Vai ter um filtro sim. Já que é um órgão federal, se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine. Privatizaremos, passarei ou extinguiremos”, afirmou o presidente.
O mais aterrorizante é o profundo apoio de boa parte da população brasileira perante a opressão a esses temas abordados na indústria áudio visual. Claro que isso não é novidade no Brasil, muito menos raro, mas piorou drasticamente com o atual governo e seus representantes, devido as suas declarações de cunho preconceituoso, fazendo com que o cidadão comum veja como aceitável essa perseguição a esses grupos.
“A censura a Agência Nacional de Cinema (Ancine), já é sentida na pele pela classe artística. O órgão, que deveria estimular a produção nacional sem interferir com posicionamentos ideológicos e preconceitos, passou a cortar verbas de filmes com temas políticos e de diversidade sexual”. Os casos mais recentes aconteceram com “Marighella”, “Greta”, “Negrum3” e “Chico: Artista Brasileiro”.

Em dezembro de 2019, o site da Agência Nacional de Cinema (Ancine) retirou a divulgação de filmes nacionais brasileiros com temáticas críticas, além de retirar cartazes dos filmes em sua sede a pedido da diretoria. Por que a Ancine está sendo silenciada? Questionada a diretoria da Ancine, respondeu. De acordo com Cazarré (assessor da comunicação do órgão), a decisão foi tomada para seguir princípios deisonomia:“Se eu tenho um cartaz de um filme aqui, eu tenho que ter de todos. Eu sei que no clima que as coisas andam, as coisas são levadas para outro lado”.


Claro que essa atitude repercutiu negativamente. Essa situação, de o setor que já vem sendo atacado atualmente, retirar filmes que por acaso são com temáticas críticas, nos leva a pensar que estão nos privando de conhecer esses filmes, sejam eles antigos ou atuais, retirando-os do órgão que mais devia divulga-los.
Com toda essa perseguição, quero salientar o filme Bacurau, que ganhou um alvoroço nacional e internacional com seu estilo único, onde o telespectador é surpreendido com o enredo e com uma critica fundamentada. Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles são os responsáveis por essa experiência cinematográfica. Mesmo sofrendo represálias, o filme se destacou na mídia, ganhou prêmios no exterior, bateu recorde de público nos cinemas brasileiros e recentemente o premiado diretor Bong Joon-ho, que ganhou o Oscar de melhor diretor pelo filme Parasita, assistiu o filme e comentou sua experiência:
“É muito bonito, possui uma energia única e traz uma força enigmática e primitiva”. Bong Joon-ho comentou que o governo brasileiro precisa “apoiar mais o cinema nacional”.

Outra excelente produção brasileira é o documentário Democracia em Vertigem,de Petra Costa, que concorreu ao oscarde Melhor Documentário. O oscar infelizmente não veio, mas o que fica de lição é que mesmo a indústria nacional sofrendo perseguição, cortes e represálias, o áudio-visual conseguiu chegar na maior premiação mundial cinematográfica, ganhando assim reconhecimento mundial.
